Alquimia e Tarot

ALQUIMIA, SÍMBOLOS ALQUÍMICOS E O TAROT
(Adaptação de Glória Britho)
 
A próxima ciência oculta que nós examinaremos é a alquimia. A alquimia se encaixa satisfatoriamente na síntese renascentista já que ela preservou um números de elementos gnósticos e era, razoavelmente, uma continuação das religiões de mistérios. Muito cedo em seu desenvolvimento, no século quarto ou quinto, a alquimia foi afetada pelo mesmo sincretismo helenístico que vimos por todo nosso estudo. A alquimia contem elementos da mágica egípcia, filosofia grega, neoplatonismo, astrologia, gnosticismo, cristianismo e paganismo2. Realmente um índice de tópicos para este livro.
 
Para o leitor moderno, a alquimia era um sistema supersticioso interessado no enriquecimento do praticante através da produção de ouro a partir de metais básicos. Este retrato da alquimia é o resultado do interesse histórico na alquimia como um predecessor da moderna química. Para historiadores da ciência, as receitas dos alquimistas eram tomadas literalmente e consideradas pelas suas contribuições fatuais para nosso entendimento da composição química da matéria.
 
Mas isto é uma grande distorção da história da alquimia. Nós teremos que traçar sua história através de três grandes fases: 1) ocupação secreta de metalúrgicos, ou talvez melhor, joalheiros; 2) uma transição para a busca do ouro, devido largamente a um equívoco; 3) uma transição mais extensa para dentro de um sistema meditativo e místico. Comecemos, como o usual, com um exame histórico.
 
HISTÓRIA DA ALQUIMIA
 
Em seu começo, a alquimia era a arte do artesão ou joalheiro egípcio. Os primeiros manuscritos de alquimia são os papiros Leyden-Stockholm3 que são na verdade tratados de metalurgia. O primeiro autor parece ser Bolos de Mende, escrevendo cerca de 200 a.C. O próximo escritor de importância é Zósimo, escrevendo um pouco antes de 390 d.C. Zósimo cita Maria e Agathodaimon como autoridades. Eles eram provavelmente alquimistas sírios de alguma escola de pensamento mais antiga embora aparentada.
 
Estes antigos textos alexandrinos nunca mencionam a busca pela pedra filosofal. Eles são textos de metalurgia. Eles são receitas para se produzir atraentes imitações de metais para joalheira. Por exemplo, eles contêm receitas para combinar ouro e outro metal em ligas que ainda parecem ser ouro. Existem métodos para bronzeamento de metais, isto é, produzir um brilho superficial e mudar a cor para prateado, dourado, vermelho ou mesmo púrpura. A cor da superfície é então preservada com uma fina camada de laca ou cera. Eles também contêm métodos para fazer pérolas artificiais, pigmentos púrpura falsos, etc.
 
Entretanto, uma importante transição ocorreu quando estas artes foram incorporadas dentro do sincretismo helenístico. Existia então um esforço para explicar a alquimia, como todas as outras fontes de conhecimento, em termos da filosofia grega4. Neste ponto a alquimia cessou de ser metalurgia e se tornou um sistema filosófico ajustando-se às teorias de Platão e Aristóteles.
 
Ambos Platão e Aristóteles sustentavam que os elementos (fogo, terra, ar e água) eram mutáveis. Assim a água poderia ser transformada em vapor (ar) e em sólido (terra). Todos os minerais eram classificados por Aristóteles dentro do mesmo “gênero” ou categoria da natureza. Dentro de um gênero, as espécies individuais poderiam ser mudadas de uma para outra somente através de mudanças “acidentais”. Assim, a mudança de um metal básico em ouro não era uma mudança essencial na natureza do metal, mas simplesmente uma mudança superficial na cor e outras qualidades. Ele permanece um “metal” em essência. 
 
Devemos também lembrar o importante papel desempenhado pelos “propósitos” nas teorias físicas de Aristóteles. Todas as coisas tinham um propósito, uma causa final, que ajuda a explicar a mudança física. Todas as coisas tendem em direção ao seus estados finais apropriados e perfeitos. Desta forma, quando uma rocha é jogada para o ar, ela cai de volta para terra porque ela “pertence à terra”. Metais deixados no solo irão amadurecer até o ouro. Os outros metais são simplesmente ouro imperfeito. O alquimista meramente acelera um processo completamente natural e inevitável. Não existe nenhuma mudança essencial envolvida, é tudo inteiramente natural.
 
Desta maneira, a alquimia foi acondicionada dentro dos conceitos predominantes da natureza da matéria física. As mudanças “superficiais” envolvendo ouro nas primeiras receitas transformaram-se em uma teoria da transmutação de metais em ouro; não era esta sua intenção original.
 
Naturalmente, as receitas ainda eram “negócio secreto” de posse dos sacerdotes-magos do Egito. O resto do mundo helenístico chegou a acreditar que estes sacerdotes na verdade mantinham o segredo da transmutação do ouro. Posteriormente, os sacerdotes tornaram-se muito influentes e também interessados em política. Eles levantaram as suspeitas dos imperadores romanos. Finalmente, os alquimistas e sua arte foram colocadas sob estrita proibição imperial e os praticantes foram forçados a fugir para Alexandria. Suas trajetórias dentro dos centros de magia do Oriente Médio começam o próximo grande desenvolvimento na história da alquimia.
 
Vimos que o antigo escritor alexandrino Zósimo já era citado pelas autoridades sírias. Isto indica que existia um antigo centro de artes alquímicas do oriente médio para o qual os magos alexandrinos foram capazes de fugir. Como tudo o mais nesta área, estes centros foram dominados e incorporados ao império islâmico depois do aparecimento mundial de Maomé. A alquimia se tornou uma arte islâmica e foi cultivada por muitos séculos sob regras muçulmanas. Houve um número de importantes colaboradores tais como al-Razi (morto cerca de 923) que muito adicionou ao conhecimento alquímico3.
 
A alquimia entrou na corrente principal do pensamento europeu como um resultado das invasões muçulmanas na Espanha. Uma vez que o império espanhol foi estabelecido, e uma paz relativa reinou, houve considerável intercâmbio entre a Europa muçulmana e cristã. Este intercâmbio foi largamente mediado pelos judeus que eram tolerados, mas nunca realmente 
 
aceitos, por ambos os lados. Os judeus sozinhos eram neutros e podiam viajar livremente entre os impérios muçulmano e cristão. Nós sabemos de capítulos anteriores que estes intermediários eram bem versados em cabala, indicando uma interessante mistura de alquimia e misticismo judaico em um período muito precoce.
 
O intercâmbio com os muçulmanos resultou em uma tradução dos trabalhos alquímicos de medicina para o latim. Antes destes trabalhos em latim, existe pouca evidência que a arte de fazer ouro era conhecida na Europa5. Mas uma vez introduzida, a arte se espalha rapidamente. Durante os séculos treze e quatorze, a alquimia foi incorporada no sistema intelectual da Europa. Nós sabemos que a alquimia era parte do meio intelectual da Renascença primitiva porque Petrarca, em sua polêmica contra ela, admite que fazer ouro era uma prática geral em seu tempo6.
 
Em sua transição para o pensamento europeu, a ciência era defendida como compatível com a doutrina cristã. Suas origens eram consideradas divinas, tendo sido dada aos homens pelos anjos7. Um número de citações bíblicas foram usadas para demostrar a ortodoxia da alquimia. A grande época dos patriarcas era prova para a existência da pedra filosofal. Neste momento, a pedra filosofal tinha se tornado não somente o catalisador para a transmutação do ouro, mas também a “fonte da juventude” que garantiria a imortalidade. 
 
Todos os lugares no Velho Testamento que mencionaram ouro ou “luz dourada” era interpretado alegoricamente como se referindo à alquimia. A alquimia era simplesmente outro dos segredos escondidos na natureza por Deus. Em uma era quando a autoridade dos escritores antigos era considerada absoluta, muitas autoridades poderiam ser citadas: gregas, caldéias, pérsias e egípcias, que uma negação da arte parecia um repúdio das evidências históricas8.
 
Desta forma, a alquimia pode ser traçada com as mesmas raízes helenísticas como todas as outras ciências ocultas do Renascimento. Suas raízes egípcias reforçaram a convicção renascentista que toda sabedoria originou-se no Egito (veja capítulo Seis). Sua posição na mentalidade do Renascimento é justificativa suficiente para nosso exame de seu simbolismo. 
 
A alquimia combinou numerologia, astrologia, cabala, mágica, gnose, mitologia e neoplatonismo. Admitindo o que nós já aprendemos sobre o meio no qual o tarot foi desenhado, é difícil imaginar que este sistema sincrético poderia ter sido ignorado pelos desenhistas.
 
A ALQUIMIA COMO DOUTRINA MÍSTICA
 
Ao longo da trilha histórica entre o século terceiro a.C. e o século treze a.C., a alquimia fez uma transição da metalurgia para o misticismo. Tal transição parece não inteligível, mas nós precisamos fazer um esforço para seguir os passos nesta mudança se nós estamos querendo entender os símbolos da alquimia.
 
Em Alexandria, a alquimia já tinha se tornado propriedade dos sacerdotes egípcios e formado uma parte de seu sistema mágico.. nós sabemos do capítulo seis que a mágica egípcia foi fortemente influenciada pelo gnosticismo e neoplatonismo e a combinação deste elementos está sempre associado com o misticismo. Os escritos de Zósimo contêm não somente fórmulas
de metalurgia mas preces e evocações para acompanhar o processo. Assim a alquimia sempre esteve associada com o sobrenatural e o místico.
 
Em uma visão de mundo que contemplava toda a realidade com vida, o relacionamento entre metalurgia e misticismo era menos difícil para se entender. O mundo antigo mantinha um animismo que colocava uma alma dentro de todos os objetos naturais. Na filosofia grega, tudo na natureza era vivo, crescendo e se desenvolvendo. Assim, transmutar metais era lidar com a alma do metal. Sem comunicação com a alma do metal, acompanhado por preces, as operações não poderiam ter sucesso. Os artesãos sempre eram aconselhados a meditar no processo enquanto manipulavam os espíritos no metal.
 
Outro elemento que tende associar a alquimia com o misticismo era a natureza secreta dos documentos. Inicialmente relacionados com trocas secretas, os documentos estão cheios de linguagem enigmáticas e alegóricas projetadas para proteger os segredos dos não iniciados. 
 
Desde que tal linguagem enigmática sempre esteve associada com os escritos dos místicos, as alegorias poderiam ser interpretadas como a transmutação da alma humana em divina, tão facilmente quanto elas poderiam estar interpretando como um processo alquímico. Originalmente, a pedra filosofal era provavelmente um pouco de ouro genuíno adicionado a uma liga para torná-la parecida com ouro. Isto foi interpretado como o catalisador que transmuta a alma humana.
 
Tão antigo quanto o século nove, os conceitos místicos da arte começaram a escorregar para dentro dos escritos. Adeptos islâmicos como Jabir ibn Hayyan acreditavam que a verdadeira meta da alquimia era conduzir o alquimista para uma forma mais elevada de conhecimento que poderia transformar sua alma9.
 
Está claro que a alegoria, usada para esconder processos secretos, era produzida por “projeção” psicológica. Uma projeção ocorre quando conteúdos inconscientes vêm à luz como sonhos, por exemplo. Por causa da sensação de mistério e meditação que acompanhava o processo, os procedimentos alquímicos eram acompanhados por projeções psíquicas na forma de imagens vívidas10. Por este motivo, as alegorias freqüentemente tomavam a forma das narrativas oníricas. Estes sonhos providenciavam fantasias em torno das quais as alegorias eram construídas. 
 
Seguindo os passos até este ponto: 1) um animismo original, que acreditava todas as coisas sendo “parte de Deus” e por este motivo contendo uma alma, era a fonte de uma atitude de prece e meditação que acompanhava os procedimentos alquímicos; 2) tal meditação causou projeções psíquicas na forma de um vívido sonho acordado que tinham suas fontes dentro do inconsciente do meditador; 3) desde que a fantasia estava associada com os processos alquímicos, as alegorias enigmáticas usadas para esconder os segredos eram construídas a partir do material providenciado nestas imagens semelhantes a sonhos. O que aconteceu depois foi um efeito colateral inesperado e involuntário. As projeções psicológicas permitiam antigos conflitos inconsciente reprimidos serem trazidos para a superfície e resolvidos. Havia um efeito curativo psicológico natural a partir da evocação e da cultivação destas projeções psíquicas. Isto se tornou uma parte importante da arte porque o praticante sentia as mudanças saudáveis que ocorriam em sua personalidade. Finalmente, o processo alquímico se tornou secundário ao processo psicológico que resultou da meditação. As alegorias, originalmente desenhadas para esconder os segredos, tornaram-se elas mesmas os segredos. O processo alquímico se tornou um processo meditativo escondido na mesma imagem e alegoria psíquicas. A perfeição do metal se tornou a perfeição do metalurgista.
 
Esta estranha transição foi auxiliada pelas próprias transições alquímicas que, em vários estágios, sujeitou o praticante a venenos neurais. Os gases, em doses suaves, poderiam afetar o alquimista de uma maneira análoga às modernas drogas psicodélicas. Os alquimistas estavam “viajando” a maior parte do tempo que trabalhavam em sua arte. Devia ter sido óbvio para o alquimista que enquanto os metais estavam mudando no vaso, ele também estava sendo mudado. Meditação, fantasia projetada e venenos neurais em pequenas doses devem ter sido uma poderosa combinação.
 
Existe um aspecto adicional da alquimia que deve ser mencionado. Nas culturas primitivas, o artesão era sempre uma personalidade mágica. Afinal de contas, o artífice poderia transformar pedras em espadas! Aqui estava um homem de grande e secreta sabedoria, que podia pegar pedras comuns do chão e transformá-las em ferro, ouro e outros metais. Os metalurgistas eram os mestres do fogo, sempre um elemento mágico e místico. Os metais que ele produzia poderiam tomar a forma de lanças, espadas e outros implementos que a cultura dependia. Assim, toda a cultura dependia de sua mágica. A importância da metalurgia na transformação de culturas é facilmente visto em nossa designação do desenvolvimento antigo do homem: a Era da Pedra se transformou na Era do Bronze, tornando-se a Era do Ferro. O segredo da arte, o impacto cultural da produção dos metais, a idade e grande aprendizado do praticante combinados levou a uma aura de magia e misticismo ao processo11. Adicione que a operação era realizada tipicamente por um sacerdote/sábio homem/xamã e que os fornos podiam ter sido associados a um templo, e nós podemos facilmente ver a transição da metalurgia em misticismo.
 
Guardei este argumento por último visto que acredito que nem as mais sofisticadas mentes modernas poderia detectar esta aura de misticismo em suas próprias respostas ao artesão habilidoso. Não importa o grau de instrução, ainda é espantoso ver areia aquecida e então soprada e torcida se transformar em uma bela figura de vidro. É “mágico”. Nós também ficamos fascinados com tais transições nas visitas públicas oferecidas em muitas fábricas. E seguramente ninguém é tão embotado pelo racionalismo que não compreenda que grande parte da eficácia de um médico é devido a sua mística. Muitas curas são efetuadas porque o paciente o viu como o doutor onisciente e onipotente que é capaz de salvar com poções e outros processos misteriosos.
 
Desta forma, há sempre uma sensação de magia e mistério associado ao artesão habilidoso. Quando a sua mágica está associada com a transmutação das rochas em metais, as qualidade místicas aumentam. Quando ele vê seu processo como comunicação com Deus, presente na alma dos metais e quando ele está sujeito aos gases tóxicos durante o processo, ele chegará a ver o processo místico tão importante quanto as operações químicas. Assim, fazer jóias baratas se tornou psicanálise e metalurgia se tornou misticismo.
 
Nota da Autora: Estudando para ministrar o meu próximo curso, me deparei com esse texto de Robert O’Neil. 
Apresento aqui, um pequeno trecho do seu livro “Tarot Symbolism”, traduzido para vocês. O resto fica para os nossos futuros encontros. As correspondências estabelecidas por O’Neil para os arcanos do tarot, são absolutamente brilhantes e vocês vão conhecê-las no decorrer da instrução. Vale dizer que o objetivo do autor era traçar o histórico do tarot, em busca de sua origem na Renascença. Fico feliz em compartilhar.

Contato

Aglae Desenvolvimento Humano
Rua José Higino, 249 casa 2A - Tijuca
Rio de Janeiro

(21) 3826-1914

© 2014 Todos os direitos reservados.

Crie um site grátisWebnode